*Texto de Ada Lima, originalmente publicado na revista Salto Agulha, que você lê na íntegra aqui. Ada aceitou meu convite para compartilhar uma memória relacionada à moda, e o resultado é puro encantamento nas lembranças que ela tem de Ceição.

Ela nunca me deu um abraço: reservada, guardava os mimos para a filha. Mas afagou-me desde meus primeiros meses de vida com peças cuja delicadeza era a antítese do urro elétrico produzido pela máquina de costura Singer.
Maria de Conceição vestia-se modestamente. Em casa, estava sempre de havaianas, camisetas velhas e bermudas. Prendia os cabelos crespos num rabo-de-cavalo ou mantinha-os enrolados ao redor da cabeça, presos por grampos como uma touca. Moça séria, discreta, religiosa, pedia a bênção a vovô – seu tio – e a vovó – madrinha – com a voz suave, estendendo suavemente a mão calejada.
Se, na cozinha, as mãos de Ceição davam conta de pouco além do básico, com linha, agulha e tecido elas faziam maravilhas. Mais as rendas, fitas e bicos da loja da minha tia, dava-se a mágica. Mal vestia as roupas, ainda em casa, eu já me sentia a Rainha do Milho da quadrilha, o destaque do carnaval, a diva da festa de aniversário. As colegas olhavam – de esguelha ou sorrindo, dependendo do grau de amizade – e às vezes tocavam as peças, para depois perguntarem onde vovó havia comprado meu macacão, meu vestido, meu conjunto. “Ela só compra o tecido”, eu respondia, para arrematar depois: “é minha prima Ceição que faz”, cheia de orgulho da parente que reproduzia com riqueza de detalhes os figurinos das revistas e das novelas.
Então chegou a época – muito temida por vovó – em que comecei a verbalizar, discretamente, minha insatisfação com os babados e bordados. Meu desejo eram os jeans e outras peças, semelhantes às das demais adolescentes, que eu via nas vitrines das lojas. Ceição passou a costurar cada vez menos e não só para mim. “Minha vista é ruim”, dizia, ajeitando os óculos de lentes muito grossas que deixavam os olhos miudinhos. Eu soube por vovó do diagnóstico: glaucoma. E a casa de Ceição foi ficando cada vez mais silenciosa e vazia, sem os montes de tecidos que antes se acumulavam sobre a mesa de costura.
Hoje, as mãos que já me transformaram em princesa, anjo, bruxa e caipira ocupam-se mais de panelas, panos de prato e vassouras. Nem dos cabelos da filha, já quase adulta, cuidam mais. Há quem diga que suas últimas tentativas com a Singer, quase o tempo inteiro relegada a um canto de parede e coberta por um pano que a protege da poeira, não foram bem sucedidas. Bem, digam o que quiserem: para mim, as mãos de Ceição sempre serão de fada.
Ada Lima
CONVITE
E entre as boas novas que me chegaram por email na semana que passou, estava a notícia do lançamento do novo livro de poesias de Ada. Convite que estendo a todos os leitores – do blog e da revista.
A escrita de Ada é verdadeiramente apaixonante, até para quem não morre de amores por poesia como eu. Conto nos dedos da mão -do Lula!- os poetas que me emocionam, e Ada está entre eles.
Então o livro é mais que recomendado.
Amanhã, 19h, na Siciliano.
Nos vemos lá!
tão delicado o texto. A poesia da moça deve ser das boas mesmo!
Vou comprar o livro
=)
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Quanto custa o livro?
Não sei te dizer (ainda) Grazy, mas passa lá hoje que a gente descobre hehehe
=)