Estou tendo a honra de trabalhar com Juraci Lira, e lembrei dessa entrevista que fiz com ela um tempão atrás.
Sobre o trabalho que estou fazendo, contarei mais em um outro post (é um figurino lindíssimo para a cantora Camila Masiso). Por enquanto, vale a pena lembrar a trajetória de Juraci – uma profissional talentosíssima, que além de tudo é muito ética e tem uma história de vida linda.
** Esta entrevista foi feita há dois anos, para meu trabalho de conclusão de curso (TCC que foi o embrião da revista Salto Agulha).
Dom.
Não existe outra palavra que possa explicar de onde vem a inspiração da estilista Juraci Lira. De origem humilde, aos cinco anos de idade ela já usava lençóis e panos de prato da mãe, para confeccionar os primeiros modelitos. Ao longo da vida de Juraci, os obstáculos não foram poucos, mas ela nunca se deixou abater.
A estilista superou a infância difícil, a perda de dois filhos, um marido opressor e uma sociedade preconceituosa. Alheia às dificuldades, seguiu em frente e se tornou a mais requisitada modista do Estado. Os vestidos criados por ela podem fazer qualquer mulher sentir-se uma estrela de cinema. E como todas querem ter seus minutos de tapete vermelho, a loja e o ateliê de Juraci estão sempre lotados.
SA – Como você começou a se interessar por moda?
JL – Tudo que aconteceu comigo foi tão natural, tão espontâneo, que posso contar milhões de vezes a minha historia sem nunca cair em contradição. Eu sempre fui autodidata. Aos cinco anos, brincando ainda, eu tinha necessidade de fazer roupinhas para minhas bonecas o tempo todo. Pegava tudo que via de panos de prato e de lençóis da minha mãe para fazer roupas de bonecas. Apanhava muito por causa dessas travessuras, mas a vontade de criar sempre foi mais forte. Às vezes eu estava na roça com meu pai, e ficava brincando de fazer desfile. Não existia televisão, nem rádio, há mais de 40 anos no interior, mas eu imaginava aquilo tudo na minha cabeça.
SA – E quando você viu que aquilo poderia ser seu trabalho?
JL – Aos oito anos. Eu lembro que entre oito e dez anos eu já estava fazendo roupas para as pessoas que confiavam em mim. Eu me oferecia para fazer e perguntava “você pode me dar um tecido para eu fazer uma roupa pra você?”, aí as pessoas me davam pedaços de chita e eu fazia roupa para elas. Aos 13 anos eu já assumi as despesas da família com o dinheiro das costuras. Eu trabalhava e estudava, passava de ano no maior sufoco, porque ficava sem tempo nenhum pra estudar. Foi assim que eu consegui fazer o primeiro e o segundo grau. Nós morávamos em Serra de Santana e a minha mãe me mandou para a casa de uma tia em Florânia, para estudar.
Durante o dia, eu estudava e cuidava da casa deles e, à noite, eu costurava para minhas colegas. No colégio, o pessoal foi divulgando e alunos, professores, todo mundo comprava minhas roupas. Quando eu terminei o segundo grau ninguém falava em faculdade de moda, isso é uma coisa muito recente no Brasil. Mas, eu sempre me interessei pela historia da moda, ficava me perguntando como as pessoas se vestiam em outros lugares, outros países. Ficava perguntando para os meus professores de colégio, como era a moda na França, como era a moda antigamente…. Essas coisas… Isso numa aula que não tinha nada a ver. Eu não me interessava por matéria nenhuma, somente por aquilo que era ligado à moda.
SA – E depois de terminar os estudos você pôde se dedicar mais à moda?
JL – Não. Deveria ter sido assim, mas eu me casei aos 20 anos e fui morar no Pará. Meu marido não me deixava trabalhar de jeito nenhum, queria que fosse somente dona-de-casa. Então, eu tinha que costurar às escondidas, quando ele não estava em casa. Eu sempre fui repreendida para fazer o meu trabalho. Primeiro quando eu era jovem no interior, meus pais não queriam que eu costurasse porque eles não tinham dinheiro para comprar tecidos para mim. O pouco que eles tinham não permitia que eles comprassem material para eu trabalhar. Depois, veio o meu marido que me proibia de trabalhar.
SA – Quando foi que você conseguiu, enfim, trabalhar com o que você sempre sonhou?
JL – Quando eu decidi voltar para Natal. Nesse tempo que eu passei no Pará, eu fui mãe e perdi meus dois filhos. Quando minhas duas crianças morreram, eu fiquei sem perspectiva nenhuma. Além de toda a tristeza, eu não podia trabalhar, não podia fazer nada, ele continuava me repreendendo. Então, aos 30 anos eu decidi que ninguém ia mais me segurar, e tomei a decisão mais certa da minha vida. Peguei uma mala e duas máquinas de costura e voltei para Natal. Vim pra cá com o apoio das minhas irmãs que me acolheram, e eu disse “vou começar minha vida agora”.
SA – Como foi esse começo?
JL – Foi difícil porque aos 30 anos eu estava começando do zero, mas ao mesmo tempo, tudo se encaminhou de forma que cinco anos depois eu já tinha uma ótima clientela. Assim que cheguei aqui em Natal, trabalhava como assistente administrativa no Incra, e reunia todas as colegas de trabalhos e as amigas delas para mostrar as roupas que eu fazia. Meus chefes não gostavam disso e me perseguiam, então, eu reunia as mulheres no banheiro para poder mostrar meu trabalho.
Eu não era feliz nesse emprego porque o que me dava prazer mesmo era criar minhas roupas. Então, quando houve aquela disponibilidade no tempo do Governo Collor, pra mim foi, a melhor coisa que aconteceu, porque eu pude finalmente me dedicar ao meu trabalho. Aí, eu trabalhava feito louca. Ficava fazendo as roupas até de madrugada e acordava cedo para começar tudo de novo. Me entreguei de corpo e alma ao meu trabalho e foi a época em que todas as algemas foram quebradas, nada mais me prendia.
SA – Como foi a sua trajetória desde o momento em que você começou a se dedicar integralmente à moda, até os dias de hoje, com o nome que você conseguiu construir?
JL – Trabalhando dia e noite, eu consegui, em cinco anos, um espaço que talvez uma pessoa, em cinqüenta anos, não consiga. Tudo o que eu criava as pessoas adoravam e cada dia tinha mais gente me procurando. Foi quando eu abri uma loja no CCAB Dois anos depois, me mudei pro Shopping Cidade Jardim. Depois, eu já queria Petrópolis e consegui abrir a minha loja na rua Potengi.
SA – Como você define seu estilo? Você é famosa pelos vestidos de festas luxuosos, é essa mesmo sua especialidade?
JL – Antigamente, eu queria desenvolver só roupas de festa. Eu realmente gosto dessas criações mais glamourosas. Mas, eu senti uma necessidade do público que procurava também uma roupa mais esportiva, mais descontraída. Mas é claro que com um diferencial. Se a cliente quer um vestido de algodão, eu faço uma peça com uma modelagem sofisticada, um modelo com personalidade. Até nas roupas mais descontraídas que faço, imprimo um toque de glamour, o diferencial é esse. E hoje todas as peças que eu vendo na minha loja são criações minhas. Tem roupas para todas as ocasiões.
SA – Você sentiu algum tipo de preconceito no mundo da moda potiguar por ser de origem humilde?
JL – Senti sim. Tive que vencer algumas barreiras em relação a isso, mas superei porque nunca baixei a cabeça. Eu lutei muito para chegar onde estou hoje. Já chegaram a me perguntar a origem da minha família, porque para você ser alguém aqui em Natal teria que ter um sobrenome famoso. Eu expliquei a essa pessoa que tenho muito orgulho da origem humilde da minha família e mais orgulho ainda de ter conquistado tudo que tenho hoje, começando do zero.
SA – Parte desse preconceito também veio da mídia, pelo fato da “imprensa especializada” em moda aqui no Estado estar atrelada às colunas sociais?
JL – É. eu não gostaria que a mídia de moda aqui fosse assim. Eu queria que a moda andasse com suas próprias pernas. Queria que os profissionais daqui levassem muito a serio o trabalho dos criadores. Por que quem merece reconhecimento de verdade é quem cria, quem tem idéias, quem as executa. Um grande avanço para o nosso Estado seria a criação de mais cursos de moda. Já existem cursos que formam profissionais para a indústria, mas precisamos de cursos que preparem estilistas mais voltados para a arte. Uma coisa é você produzir em larga escala, outra coisa é fazer um trabalho direcionado e minucioso, e são esses profissionais que o RN precisa formar.
Ah, fico devendo um post com as fotos das coisas lindas que ela cria. Vou lá provar tudo e fotografar pra vocês, ok?
[…] Lira, que é diva sem ser perua (leia a história linda dela aqui), tem um quê de Chanel toda de preto e […]
As criações de Juraci são LINDAS!!!
O vestido de formatura mais lindo da minha turma foi criação dela, pense! =D
Não conhecia o trabalho Juraci.
Gladis, bem que você podia postar sobre modistas daqui.
Adorei a entrevista.
beijão
Guerreira, eim!? Muito triste mesmo que aqui em Natal os “profissionais de moda” se liguem tanto ao comercial e não deem a verdadeira atenção que esses profissionais incríveis merecem! Adorei a entrevista, Gladis!
Sou fã!
http://www.fashiondesejo.blogspot.com
:*
Bacana essa entrevista.
Sou sobrinha dela e posso dizer que ela é, realmente, uma GUERREIRA!!! Não é porque sou da família que digo isso, mas foi ela que foi a base da família, desde criança. Ela sempre teve grandes sonhos e sempre alcança aquilo que deseja, além de ter um coração enormeeeee, sempre pensando no bem-estar de todos que a rodeiam.
A história dela é muuuuuito linda!!! Bem como a das outras duas irmãs, que também são costureiras. Três irmãs que saíram de uma cidade pequena pra uma capital e obtiveram sucesso! Assim como existem outros anônimos por aí que são grandes heróis, mas que poucas pessoas conhecem. Nosso Brasil, nosso Nordeste, tem muitas pessoas merecedoras de respeito!!!
E parabéns para aqueles que reconhecem esse trabalho!
🙂
Att.:
Adja Lira
Conheço o trabalho dela desde por volta dos meus oito anos, no começo da carreira. Mamãe me levava. O tempo passou e ela permanece a mesma atenção, gentileza e competência profissional. O tempo melhora a carreira dela que não deixará de ser a Juracy da minha infância, assim como não deixarei de ser deinha para ela. Sucesso sempre!
Ahhh, já tinha lido essa entrevista há um tempo atrás! Não sabia que tinha sido vc a entrevistadora! Juraci arrasa, uma pessoa bonita por dentro =) Meus aplausos.
Também sou sobrinha de Juraci e como minha irmã disse a batalha das três irmãs foi muito grande, mais elas conseguiram e chegaram onde estão. Pretendo seguir com a carreira tão bonita delas, tenho professoras partiulares..rsrsr..
bjão tia.
Sou testemunha de toda a tragetória dessa mulher ‘GUERREIRA”!
Te admiro muiiiiito e que Nossa Senhora te proteja. Te amo!
i