Carey Mulligan, linda em cena do novo filme
Com a estreia do filme O Grande Gastby (mais uma versão do clássico livro de F. Scott Fitzgerald), só se fala no figurino anos 20 e na influência dos “Anos Loucos” na moda atual.
E aí eu achei oportuno republicar uma matéria que fiz para a revista Glam sobre o fim do século XIX e início do século XX em Natal.
Apesar de ser um resgate histórico da moda e dos costumes da cidade, diz muito sobre a passagem de século no mundo como um todo. E tem algumas curiosidades legais 🙂
Vamos lá?
♡♡♡
Na virada do século XIX para o século XX o mundo vivia um momento de muita expectativa e grandes transformações. Uma passagem de século não é coisa pequena para a mente humana. A geração atual viveu coisa parecida recentemente e lembra como foram tensos os dias que antecederam o esperado e temido “bug do milênio”.
Mas, voltando a 1899… As transformações advindas da revolução industrial haviam modificado plenamente o cotidiano das pessoas. Os produtos industrializados davam a sensação de conforto, pois diminuíram ou até eliminaram certas tarefas cotidianas. A força humana em várias ocasiões começava a ser substituída pela eletricidade. Passou-se a admirar a ciência e a tecnologia como as mais maravilhosas expressões do homem. Esse período de euforia ficou conhecido como “Belle Époque” – a expressão em francês para “bela época” se deve ao fato de que Paris era então a capital do mundo, e o francês o idioma dominante.
Acompanhando o clima de festa, a moda na Belle Époque era tão efusiva quanto as pessoas. Os espartilhos afinavam a cintura e estufavam o peito, formando uma silhueta em S. Os vestidos eram cheios de rendas, bordados, babados e detalhes. As mangas longas iam além da metade das mãos. As roupas riquíssimas arrastavam no chão – mas isso não era um problema para a alegre classe dominante, pois a tecnologia havia trazido também a limpeza e os cuidados com higiene e saneamento nos grandes centros urbanos. Os chapéus e leques eram verdadeiras arranjos, ostentando penas e até mesmo pequenas esculturas.
Esse período vai do fim do século XIX até o início da Primeira Guerra, em 1914. O grande conflito mundial acaba com a Belle Époque quando a mesma ciência e a tecnologia que facilitavam a vida das pessoas, passaram a produzir armas e mecanismos de guerra que serviam unicamente para matar. É uma quebra de pensamento. O homem passa a perceber que tem em mãos o poder de usar o conhecimento para o bem ou para o mal.
A guerra acaba com a sensação de euforia e imprime novos costumes. Quando termina, em 1918, o mundo não é mais o mesmo. As roupas perderam o excesso de fru-frus. Costureiros como Paul Poiret libertam a mulher dos espartilhos, e a nova silhueta não marca a cintura. Começa a era dos vestidos retos, com cintura deslocada, que se transformariam em tubinhos. Com a chegada dos anos 20 esses vestidos ganham franjas para balançar ao som do jazz e do charleston. As barras das saias sobem, mostrando mais pele. O mundo, recém saído de uma tragédia, resolve tirar o pé do freio e se permitir mais. Mais festas, mais sexo, mais bebida. Esse período que se inicia logo após o fim da guerra, fica conhecido como “Os anos loucos”. A figura da Melindrosa, com seu cabelo à la garçonne, olhos pintados, piteira sempre fumegando, ousada, permissiva e divertida, entrou para a história como ícone desses anos loucos.
A milionária americana Peggy Guggenheim usando vestido de Paul Poiret
A prolongada Belle Époque na esquina do continente
Natal não sentiu os efeitos da Primeira Guerra Mundial. A moda parisiense da Belle Époque continuou sendo reproduzida por aqui, mesmo quando a Europa estava devastada e as roupas haviam perdido a maioria dos enfeites. Por isso, muitos autores – entre eles Tarcísio Gurgel, autor de Belle Époque na Esquina – consideram que a “bela época” potiguar se estendeu até os anos 30.
Com a chegada do cinema nos anos 20, a estética parisiense deixou de ser a única a ser seguida e passou a dividir o espaço com a estética Hollywoodiana. O modelo de beleza agora era também a atriz de cinema, e Natal dava seus primeiro passos rumo à americanização. As mulheres esperavam ansiosas as revistas de cinema que chegavam à Livraria Cosmopolita, na rua Dr Barata. Era delas que saiam os penteados, as roupas e a maquiagem que as potiguares mais abastadas iriam usar nos bailes do Natal Club. A vida noturna da cidade fervilhava nos clubes. As festas eram animadas pelas jazz bands ou pelo tango – que durante muito tempo foi até mais popular que o jazz na cidade. “Esses clubes eram estritamente masculinos durante o dia, mas à noite realizavam festas onde os homens levavam suas senhoras.” conta Márcia Marinho, historiadora.
O Natal Club foi inaugurado em 1906 e durante muitos anos foi a mais renomada instituição de lazer para a elite natalense. Mais tarde, em 1928, com o boom da aviação, surge o Aeroclube – que existe até hoje na cidade. O “Aero”, além das atividades de aviação, reunia num só lugar os espaços para esporte, recreação e festas noturnas. Esse estilo de clube acompanhava os novos gostos do natalense. A prática de esportes havia sido incorporada à rotina da cidade, como parte importante para a sociabilidade e o lazer. Primeiro os esportes náuticos, com as regatas no Potengi; e mais tarde, o futebol. Foram fundados os clubes ABC e América em 1915, e Alecrim em 1916. Quando chegam os anos 20 o natalense já adquiriu o hábito de assistir às partidas de futebol aos domingos, como faz até hoje.
“As leis da moda” num anúncio da revista Cigarra
Descobrindo as roupas de banho
Ao mesmo tempo, a praia passa a ser percebida como um espaço para diversão e lazer. Antes disso, apenas os doentes tomavam banho de mar, pois a prática era recomendada pelos médicos como tratamento para várias doenças. Quando o natalense descobre a praia, a moda acompanha a novidade.
Os primeiros trajes de banho eram pesados e cobriam praticamente todo o corpo. Em “Belle Epoque na Esquina”, Tarcísio Gurgel transcreve trecho do livro “Reminiscências”, de Octavio Pinto, onde é descrito o complicado ritual dos primeiros passeios praianos em Natal: “Iniciando o verão, a costureira Santa (…) fazia para as minhas irmãs as roupas de banho de fenda azul encorpada, com frisos brancos, compreendendo uma calça tipo bermuda, com um elástico na boca que prendia no meio da perna. E a túnica com meia manga com cinto de pano branco, mais parecendo um macacão. Os rapazes usavam calção e camisa esporte. Nunca tiravam a camisa. Pela manhã muito cedo, antes do sol nascer, tomávamos o bonde defronte de casa, na Av. Deodoro. (…) Saltava-se no final da Av Atlântica, em Petrópolis, e de lá se descia a ladeira até a Casa de Banhos, que tinha duas filas de quartos onde se mudava a roupa. A praia a princípio se chamava do Morcego, depois mudando para do Meio, porque ficava entre as praias de Areia Preta e a do Forte dos Reis Magos. (…) Também ia conosco um empregado com um cesto para trazer as pesadas roupas molhadas (…)”.
A curta e intensa vida da Cigarra
Foi nos anos 20 também que circulou uma das mais emblemáticas revistas já editadas na Cidade do Sol. A revista Cigarra teve vida curta porém intensa. Foram apenas cinco edições – entre os anos de 1928 e 1930 – mas era feita por colaboradores que entrariam para a história das letras potiguares, como Palmira Wanderley, colunista fixa da publicação.
A revista contava com o talento do desenhista Erasmo Xavier, responsável pelas capas de todas as edições e pela maior parte das ilustrações. Nascido em 1904, Erasmo passou a juventude no Rio de Janeiro e também atuava como cenógrafo, fotógrafo e chargista. A pesar de jovem, o rapaz já era destaque na imprensa carioca com seus desenhos e ilustrações. Colaborou com publicações como O Malho, Fon Fon e Tico Tico, trabalhando ao lado dos grandes desenhistas brasileiros da época e assinou a capa de uma edição da emblemática revista O Cruzeiro. Esta capa ele não chegaria a ver impressa, pois foi publicada em 1933, três anos após sua morte. Assim como tantos jovens talentosos da época, a carreira de Erasmo Xavier foi precocemente interrompida pela “peste branca”, a turbeculose. Morreu antes de completar 26 anos. Os desenhos dele, principalmente as personagens femininas, retratavam os anseios de uma Natal ainda conservadora, dividida entre o desejo de ser metrópole e as limitações morais de ainda ser província.
Capa da edição 3 da Cigarra, por Erasmo Xavier
A praia, o esporte, o crescimento urbano, o cinema, a música… Tudo influenciava o comportamento da cidade que começava a crescer. A moda incorporava todas essas mudanças. As casas de tecido eram o ponto de encontro onde as senhoras compravam as fazendas que iriam se transformar em belos vestidos. Uma das mais famosas era a casa Paris em Natal, na Praça Augusto severo, cujo marketing era justamente fazer alusão aos tão desejados tecidos usados pelas parisienses. Ainda não havia chegado a vez das lojas de roupas. Tudo passava pela costureira. Uma imagem numa revista de moda francesa do pré-guerra e uma atriz num cartaz de filme americano, eram a inspiração para o mesmo vestido de baile potiguar.
E tentando copiar Paris e Hollywood, quem diria, a Natal do início do século XX acabava tendo um estilo próprio – mezzo Belle Époque mezzo Melindrosa.
Para continuar no tema…
Veja – Meia Noite em Paris (Woody Allen); O Grande Gatsby (Baz Luhrmann).
Leia – Gisinha (romance potiguar de Polycarpo Feitosa); Belle Époque na Esquina (Tarcísio Gurgel); Natal também civiliza-se (Márcia Marinho).