A vida em Natal na época da II Guerra é um assunto que sempre me fascinou. Adoro ouvir as histórias da cidade que, na época, tinha pouco mais de 50 mil habitantes e se tornou um ponto de apoio para os americanos, recebendo milhares de soldados (fala-se em 10 mil homens).
Imagine uma cidade pequenina, onde todo mundo se conhece, recebendo essas pessoas com costumes, idioma, fisionomia e tudo mais tão diferente! O período rendeu história curiosas e engraçadas e mexeu com o jeito de ser do potiguar, que carrega até hoje o reflexo desse mix de culturas. Já escrevi sobre isso nessa matéria sobre a moda e os costumes de Natal na época da II Guerra. Se você se interessa por moda e história, vale o clique!
Alcides Araújo, dono da Rio Center, atendendo soldados americanos na loja
E uma personagem em especial sempre chamou minha atenção: a prostituta Maria Boa. Famosíssima e muito querida pelos militares americanos, ela era dona do cabaré mais famoso da cidade. O lugar era puro luxo e tinha uma biblioteca com acervo riquíssimo, onde os clientes faziam reuniões e devem ter tomado decisões históricas da mais importantes!
A figura de Maria Boa sempre me fascinou, tanto que tem uma matéria sobre a vida dela na Revista Salto Agulha, versão impressa desse bloguinho – que você pode ler online aqui.
Mas essa introdução toda é só pra vocês entenderem o quanto meus olhinhos brilharam com o trabalho lindo de uma moça chamada Jéssica Cerejeira.
A primeira foto apareceu no meu feed do Facebook como uma mini coleção de uma estudante de moda do SENAI RN, que representou o estado num evento nacional do SENAI Brasil.
Assim que vi os looks corri pro google para saber mais. O evento em questão é o SENAI Brasil Fashion, uma incubadora de novos talentos do SENAI. Eles escolheram 9 estudantes, de 9 estados do Brasil, para criar uma mini coleção – desde a concepção do tema até o desfile. Esses jovens talentos tiveram a orientação de estilistas consagrados como Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch e Lino Vilaventura. Esse processo criativo todo vai virar um reality show que será exibido em novembro, nos canais Art 1 e Discovery Channel. Demais, né?
O que achei mais bacana é que o reality não é uma competição. Cada estilista fez o seu trabalho e tudo foi documentado para ser exibido. Todo o processo criativo, as particularidades de cada um e o resultado final. Para isso, as equipes acompanharam cada estilista em sua cidade, registrando o dia a dia de cada um e suas inspirações.
As criações dos 9 estilistas no SENAI Brasil Fashion
A representante do RN, Jéssica Cerejeira, se inspirou nos cabarés da Natal da Segunda Guerra, especialmente na figura de Maria Boa. Segue um trecho do release da coleção: “A Coleção ‘Habite-me’ traz o universo kitsch dos cabarés no Rio Grande do Norte, no período que marca a chegada e consequente influência norte americana no estado, durante a Segunda Guerra (…) Uma das maiores referências deste trabalho foi a Maria Boa. A história da coleção traz a figura de um militar norte americano, que vindo para o RN na década de 40, conhece uma das meninas da casa de Maria Boa e se apaixona por ela, que como tantas, sonhava em mudar de vida, viver um grande amor. Mas a guerra acaba e o militar a deixa. Na despedida, entrega a ela o seu casaco militar, que é incorporado na vestimenta habitual da moça…”
O resultado são esses modelo belíssimos com silhueta dos anos 40, um toque militar e bordados de tirar o fôlego!
Foi uma coisa que me tocou demais. Vibrei em ver um trabalho belo e criativo assim, de uma menina tão jovem e talentosa de Natal. E aí fui atrás dela para fazer uma entrevista para o blog, claro!
Descobri que a gente já “se conhecia” virtualmente rs. Jéssica tem um trabalho super bacana na UFRN. Ela está cursando artes plásticas e faz parte de um Laboratório de criação de figurinos e trajes de cena. Ela havia entrado em contato com o blog um tempo atrás para divulgar esse laboratório, que é aberto à comunidade e tem vários eventos muito interessantes.
Aproveitei pra fazer uma mini entrevista com ela e entendi porque é uma menina tão talentosa e criativa: um misto de curiosidade, estímulo e vivência! Ela nasceu em Imperatriz, no Maranhão, e foi pra Natal com 1 ano de idade. Hoje, aos 20, se considera natalense e olha a cidade com olhos de artista. Tudo é inspiração!
“Minha cidade me inspira pelas belezas naturais, pelas manifestações artísticas, pela hospitalidade e gastronomia. Minhas origens maranhenses pouco me influenciaram, pois saí de lá quando bebê. Mas fui criada por um pai português, militar, que serviu na guerra de Moçambique, muito rígido e cheio de histórias para contar. Minha mãe, natalense, traz para a minha formação vivências mais regionais, principalmente na gastronomia, pois ela dá cursos inclusive, de culinária potiguar, além de estar ligada diretamente com o turismo da minha cidade. Minha terra tem muitos lugares lindos e um sol intenso, o ano inteiro, que acaba moldando a nossa criação, pois tenho que adaptar a maioria das criações para a realidade ensolarada da minha cidade”, explica.
Jéssica com as suas criações <3
O irmão dela é estilista e foi o maior responsável pela paixão por moda: “O meu interesse por moda surgiu aos 10, 11 anos, por influência do meu irmão, que era estilista das Lojas Riachuelo e sempre levava croquis para fazer em casa e os que sobravam, ou os que saiam errados, ele me dava para colorir. Eu adorava!”.
Depois do desfile do SENAI Brasil Fashion ela está com tudo! Só vi elogios ao trabalho de Jéssica e não tenho dúvidas de que é só o início de uma carreira brilhante!
Planos para o futuro?
“Tenho planos de acabar a faculdade, com um TCC que foque em moda, ou até mesmo figurino. Também pretendo continuar a me aperfeiçoar com os cursos mais específicos do SENAI da minha cidade e fazer a pós graduação do Senai Cetiqt, ao mesmo tempo que ingresso no mestrado em Artes Cênicas com foco em figurino, ou na de Design de Moda em outro estado, já que aqui em Natal ainda não existe. Pretendo ainda dar aulas no SENAI-CM, de modo que todo o conhecimento que adquiri ao longo desses 4 anos retornem para o SENAI, meu segundo lar, como forma de retribuição. É falar de realização de sonhos e acima de tudo, que todos são capazes”
Alguém duvida que ela vai realizar muito mais? 🙂