*E a moda lá tem futuro?

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*Texto originalmente publicado na revista Perigo Iminente. A publicação homenageou o centenário da palestra “Natal daqui a 50 anos”, do jornalista potiguar Manoel Dantas. A ideia era escrever um texto sobre o futuro da moda no Rio Grande do Norte. Saiu isso.

Pierre Cardin, catálogo de 1970.

O leitor prefere a notícia boa ou a ruim primeiro? Vamos começar pelo mau agouro, porque depois, o que vier é lucro.

Nem se findou a primeira década do século XXI, e há quem diga a terra não leva mais que um punhado de anos para se tornar inabitável. Água já é certo que vai se acabar. O queridinho dos noticiários, o tal de aquecimento global, vai trazer mais um bocado de estrago. Níveis altíssimos de radiação solar, e até o ar que respiramos vai sucumbir à poluição. A moda como qualquer outra manifestação da cultura vai acompanhar a evolução (se é que assim se pode chamar) da humanidade.

Se já foi dada a largada para o princípio do fim, então que fechemos os olhos e imaginemos a moda daqui a 50 anos, especialmente na cidade que é a noiva do sol. Ops, eu disse noiva-do-sol? Coitada… Se ela tivesse imaginado que assim seria, rejeitaria o pretendente antes mesmo do primeiro beijo. A relação estável da cidade com o astro-rei, que tanto nos orgulhou no passado, é hoje um catalisador de desgraças. Quando o calor chegou a um nível humanamente impossível de suportar, a ciência conseguiu desenvolver uma roupa especial que mantém o corpo refrigerado. Uma espécie de uniforme usado por todo mundo, ou pelo menos por quem quer se manter vivo, é o que se vê nas ruas. Assim, calças, saias, camisetas, vestidos, biquínis (ah os biquínis…), tudo virou peça de museu.

Quando o câncer de pele tornou-se a causa mais comum de morte na terra, desapareceu a maquiagem. A única coisa que se usa, é um filtro solar que – apesar de potente – sozinho não seria suficiente. Por isso usam-se chapéus, óculos e luvas, além do macacão padrão.

Com a poluição do ar, máscaras de oxigênio também entram no figurino. É um acessório obrigatório. Dizem os mais velhos, que elas são como foram um dia os brincos e o batom para as mulheres. A diferença é que não corríamos o risco de morrer caso não cumpríssemos a regra, dispensando estes últimos acessórios.

Já falei das cores? Bem, não há muito que falar. Nosso uniforme é prateado, para refletir e dissipar o calor. E onde há muito movimento de pessoas, o cenário se assemelha a um labirinto de espelhos. Os apaixonados por moda e pelos grandes criadores, podem tentar ser otimistas e pensar que mesmo em meio a tantas adversidades, o figurino futurista pode ter certo charme, tal como imaginaram Paco Rabanne e Jean Paul Gaultier nos filmes Barbarella e O Quinto Elemento – ambos sobre um futuro distante. Mas sejamos realistas, e a vida real é bem menos glamurosa. Nem Jane fonda nem Milla Jovovich passeiam pela Avenida Rio Branco, e o futuro dos filmes foi pensando de modo a não perturbar a imagem de sex simbol das musas. Aqui a história é outra. Há tempos homens e mulheres não sabem o que é vaidade. Todos têm um ar andrógino. As mulheres da terra de Poty, que outrora deixavam ate de comer para pagar a prestação da lipo e do silicone dividido em 24 prestações pelo cirurgião amigo, hoje têm outras preocupações.

Somente uma coisa não mudou. Como sempre foi, em Natal as pessoas continuam a parecer produzidas em série. Se antes os homens usavam o mesmo carro, as mesmas roupas, o mesmo tênis e malhavam na mesma academia, pelo desejo – para mim inexplicável – de ser aceito em determinado grupo social; se antes as mulheres usavam o mesmo cabelo, a mesma maquiagem, o mesmo peito e a mesma bunda com intuito semelhante ao masculino, agora todos são iguais por imposição das circunstâncias. Devem viver felizes assim. Somente uns e outros gatos-pingados que gostariam de se diferenciar da manada, que se tivessem vivido em outros tempos usariam qualquer coisa, freqüentariam qualquer lugar, se portariam de qualquer maneira que não fosse a convencional, sentem que algo está errado, e que as pessoas não foram feitas para serem cópias umas das outras.

Mas eu prometi uma boa notícia não foi? Bem, existe a possibilidade de acordar ainda na beirinha do abismo, antes de ser tarde demais. Algumas ações já apontam para isso, principalmente na indústria da moda. Tecidos inteligentes, materiais recicláveis, tudo cada vez mais “ecologicamente correto”. Além de uma mudança de pensamento e comportamento, é claro. De que a moda não está aí pra excluir ninguém.

Na visão otimista do nosso futuro, o habito de consumir só pelo preço, ou por um glamour que muitas vezes não se sabe nem de onde vem, ignorando que estilistas são sim artistas, vai desaparecer. O que significa a vitória da diversidade.

Dificilmente surgirá um só grande mestre coordenando essa transformação, como foi Paul Poiret, que fez algo semelhante quando libertou as mulheres dos espartilhos no início do século XX, exatamente enquanto Manoel Dantas fazia suas previsões. O mais certo é que surja cada vez mais artistas, cada um fazendo um pedaço aqui e acolá, fazendo surgir – e reinar absoluta- uma moda mais democrática, inclusiva e criativa.

É o final alternativo de uma história que ainda não foi escrita.

Comentários

Comentários

4 Comments

  1. Fernanda says:

    Adoro seus textos. Vc escreve muito bem!!

  2. Tweets that mention *E a moda lá tem futuro? « Salto Agulha — Topsy.com says:

    […] This post was mentioned on Twitter by Uliana Fechine , Uliana Fechine . Uliana Fechine said: gladisvivane: Texto interessante, divertido e "medonho" ao mesmo tempo!!! KKKkkk… http://migre.me/1DKKA […]

  3. Rebeca Xavier says:

    É!! Meus filhos vão olhar minhas fotos e vão dizer: pôxa mãe, como vc era bonita nessa época! e eu desconsoladamente irei responder: Meu filho, era uma época em que se gastava todo o dinheiro para se estar de acordo com a moda, agora, acumulamos esse dinheiro e nem temos prazer em gastá-lo!

    hahahhahahahah, #fato

  4. Beth Araújo says:

    Eu nunca tinha parado pra pensar na moda daqui a 50 anos (pouco tempo, em minha opinião) e esse texto me fez acordar e querer pensar em estudar algo relacionado a isso, paralelamente a outras coisas que também almejo. Reflexivo de-mais! Parabéns, você-pensante! =D

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