Minha avó, a moda e eu

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Eu e voinha fantasiadas de palhacinhas numa das festas do colégio =)

Hoje é o aniversario da minha avó. Voinha. Como todo mundo, tenho duas avós. Mas uma é “vovó” e a outra é “voinha”. Voinha é mais que avó, é a pessoa que me influenciou em varias coisas que juntas hoje me fazem ser quem eu sou. E o que isso tem a ver com o blog? Tudo.

É por causa dela que gosto de moda e de escrever. Sempre que dou uma entrevista, a primeira coisa que me perguntam é “como você começou a se interessar por moda?”. E é uma pergunta que amo responder, porque amo falar da minha avó. Mas acho que ainda não contei essa parte da minha vida aqui no blog, então senta que lá vem a história…

Voinha foi minha professora na escola e em casa também. Na sala de aula, cobrança dobrada por ser a “neta da professora”. Em casa, era para mim um luxo ter a professora me ajudando com a lição de casa e preparando lanchinho enquanto eu estudava.

Fui alfabetizada numa escola publica, onde minha avó dava aula. Foi o período mais rico da minha vida escolar. No colégio Cônego Monte as salas de aula ficavam em volta da quadra. A biblioteca tinha cheiro de álcool por causa dos mimeógrafos que rodavam as provas. Não sabe o que é um mimeógrafo? Pergunte ao Google. A cantina tinha cheiro de cuscuz e biscoito de maizena. Todos os alunos eram conhecidos pelo nome.

Havia é claro o clima de disputa natural da infância. Quem tirava melhor nota, quem era melhor jogando queimada, quem corria mais no recreio… Mas nada comparado ao “meu relógio foi comprado na Disney, “meu pai tem três carros com motorista”, “minha casa tem mais empregados que a sua” e “eu não repito roupa” que encontraria nas escolas particulares onde estudei depois. O CIC e o Neves, duas selvas sem sentido para uma criança de oito anos que já tinha algum senso crítico.

Digo sem sombra de dúvida que foi na escola pública, onde estudei até a 3a série, que aprendi mais. Porque a função que a escola acha que tem hoje é preparar uma criança para o vestibular, quando na realidade deveria ser fazer dela um ser criativo e prepara-la para a vida. E a minha educação infantil me preparou assim. Para a vida.

Minha avó me ensinou a ler e escrever. Era professora de português e, na época, se bem me lembro, a matéria tinha o nome de “comunicação”. Vejam só que maravilha. O que é a nossa língua se não comunicação? E não deve ter sido coincidência que esta tenha sido a carreira que eu escolhi para seguir – comunicação social.

Ainda não estava na moda a tal transdisciplinaridade que os doutores da pedagodia cantam por aí hoje em dia. Mas minha avó já colocava isso em prática. Ao final do ano letivo, tínhamos que fazer peças de teatro e apresentações de dança cujos temas eram os conteúdos das matérias que vimos durante o ano. Matemática, português, estudos sociais, ciências… tudo tinha que entrar no texto da peça. E eu esperava o ano inteiro para ajudar minha avó com o roteiro dessas encenações. Passava dias pensando nas personagens, no modo como elas falavam, nos trejeitos e, principalmente, no figurino. Me sentia tão poderosa, na minha cabeça era como seu fosse uma espécie de deus e pudesse criar e dar vida a uma pessoa.

Pesquisar o figurino era a coisa mais incrível do mundo! Não existia Google, então eu ia para a biblioteca e procurava nos livros as imagens de reis de séculos e séculos passados, soldados romanos, escravos, princesas… e pirava nessas imagens. Depois ia ver minha avó costurar os figurinos na máquina de costura que ela tinha na sala.

Voinha também tinha um armário lotado dessas roupas. Ao longo de mais de trinta anos de sala aula, ela guardou todos os figurinos. Dos mais variados personagens. Os meus prediletos eram os mais antigos. Quanto mais séculos para trás, melhor. Só não gostava quando chegava aos homens das cavernas, pois esses usavam pouca roupa – o que para mim lembrava muito as roupas atuais e não tinha a mínima graça.

Lembro que ao ver uma foto de um nobre do século XVI pensei como deveria ser difícil viver com tanta roupa no calor. Mas aí pensei que lá onde ele morava, e na época em que vivia, poderia não ser tão quente quanto Natal na minha época. E isso meu deixou tão curiosa que me levou a pesquisar sobre as modificações climáticas na terra ao longo dos séculos.

É isso que deveriam ensinar às crianças. Curiosidade. É o maior tesouro que você pode deixar para o seu filho, pois curiosidade vira conhecimento e criatividade. É triste ver que a maioria das escolas destrói essa curiosidade ensinando fórmulas prontas para um vestibular que não vai garantir sucesso nenhum àquela criança num futuro. As faculdades estão cheias de idiotas.

Mas voltando à minha avó… Ela me colocou no balé, na aula de teatro, de música e de tudo que aparecia e que tinha turmas infantis. Não me tornei virtuosa em nenhuma arte, e espero que isso não tenha sido uma frustração para ela. Mas conhecer um pouquinho de cada coisa também me ajudou a escolher os caminhos do jornalismo. Muitos dizem que o jornalista é um especialista em superficialidade, que sabe um pouco de tudo e no fundo não sabe nada. Obviamente é um comentário depreciativo, mas eu enxergo isso com tão bons olhos que das primeiras vezes que ouvi achei que fosse elogio. Sinceramente, acho maravilhoso pesquisar um pouco de cada coisa, se debruçar sobre assuntos totalmente diferentes em tão pouco espaço de tempo. Ao meu ver é muito mais divertido que passar a vida inteira explorando exaustivamente o mesmo tema. Sabe aquela pessoa que só tem um assunto de conversa na vida? Quantas dessas você já excluiu do seu convívio social por ser um pé no saco?

eu, voinha e  minhas irmãs hoje =)

Na minha profissão, nas minhas escolhas, no meu gosto pessoal, em tudo tem muito da minha avó. E é por isso que eu resolvi escrever um pouquinho sobre ela aqui. Com o jeitinho dela de ensinar eu me apaixonei por pesquisar, escrever e criar. E sei que, assim como eu, devem existir outros ex-alunos da Tia Adeilda que agradecem todos os dias terem estudado naquela escola, com aquela professora.

Se não fosse minha avó, provavelmente eu não teria despertado o interesse e o amor que tenho pelas letras e pela moda. E esse blog também não existiria.

Ainda bem que voinha existe.

Comentários

Comentários

25 Comments

  1. Cátia says:

    Emocionante, bonito, puro e lúcido. Gratidão e amor. Precisamos de mais alguma coisa?

    Beijos, beijos em voinha.

  2. Rodrigo Servulo says:

    Lindo, poético, verdadeiro. É impressionante como nossos avós podem nos inspirar para fazer coisas bonitas.

    Maravilha de texto.

  3. Angelina Cavalcante says:

    “Mas nada comparado ao “meu relógio foi comprado na Disney, “meu pai tem três carros com motorista”, “minha casa tem mais empregados que a sua” e “eu não repito roupa” que encontraria nas escolas particulares onde estudei depois. O CIC e o Neves, duas selvas sem sentido para uma criança de oito anos que já tinha algum senso crítico.”

    Me identifiquei profundamente. 😐

  4. Mag Barbosa says:

    Que lindo! As avós estão em extinção. Minhas avós também influenciaram no que gosto/sou. As duas costuravam, uma delas (vó Rita) era minha diva, sempre maquiada, perfumada e em cima do salto; e a outra (vovó Zizinha) era mais simples, mas foi por causa dela que me interessa a costura. <3

    Parabéns à sua voinha! 🙂

  5. Anderson says:

    Chorando. Voinha é maravilhosa e eu me sinto da família!!

  6. Ana Morena says:

    Adorei esse texto, tanto a parte terna como o Brá na cara da sociedade toda vez que cita os dias atuais! 😛

    “Comunicação e Expressão”, nas minhas escolinhas era assim. Ainda tínhamos uma aula de “Interpretação de Texto”, certeza que não existe mais pq a quantidade de analfabeto funcional que existe no mundo dando opinião sobre tudo é de meter medo.

    Preciso dizer que as suas coxas continuam as mesmas, né? ahahahaha

    Glaucinha é muito igual a tu!

    Manda beijo pra sua avó. Já que ela ajudou a formar essa Gladis, eu gosto muito dela!

  7. Soraia says:

    Amei! como já registrou Ana Morena: da doçura de voinha as “porradinhas” na sociedade atual. Falta acrescentar que, além de comunicadora, você “brinca” com a sociologia (socióloga também tem olhar periférico e é curiosa…uma turma metida a besta criou o “militante”). Vale lembrar aos especialistas o tanto de ignorância que a especialidade deles produz. rsrs. bjs

  8. Ana Carolina Tavares says:

    Privilégio ter essas doces criaturas em nosso convívio! Minha avó é liiinda e através dela despertei paixão por cantar. Até hoje fico ouvindo-a cantarolando lindamente pela casa. Parabéns pelo texto! Ah, ontem esbarrei com você no Praia Shopping e fiquei com uma vontade de cumprimentá-la pessoalmente, mas bateu aquela vergonhazinha rsrs Parabéns novamente. Sou fã desse espaçozinho virtual!

  9. kamila says:

    Pra quem tem (ou teve) uma avó que significou tanto, basta ler um texto assim pra começar a chorar. Minha vó, mesmo criando 8 filhos praticamente sozinha, cantava muito bem, pintava feito artista, escrevia poesias lindas, costurava/bordava como poucos. Infelizmente, vovó morreu muito cedo, eu tinha uns 10 anos. E ainda assim, foi a responsável por grande parte do que eu sou e gosto hoje, mesmo que eu tenha demorado um pouco pra me dar conta, valorizar isso e tentar resgatar as coisas que ela fazia. Acho que elas representam uma coisa bem rara hoje: pessoas diversas em si mesmas. Parabéns pra sua voinha!

  10. Régis says:

    Emocionante, parabéns para as duas!! <3

  11. Rose Cristina says:

    Gladis,
    eu tive o prazer de ter 4 avós:titia(que é minha tia avó, já que ele era irmão adotivo dela), minha bisa que morava comigo(mãe de titia), a mãe de mainha, e a mãe de painho. Todas me ensinaram algo, seja de pertinho, ali, bem em cima, como titia, seja à distância, como a mãe de mainha, ou ainda no meio do caminho, como vovó, ex-cantora de rádio, com quem aprendi a ser afinadinha, cantar o dia inteiro, e me candidatar ao microfone em toda festa familiar e rodas de violão. Avós e avôs são bençãos de Deus, mesmo.
    Beijos!

  12. Rosa Patrícia says:

    Amei! Saudade da minha! As atitudes de “voinha” que presencio hoje em dia são as da minha mãe em relação ao meu filhote! Ela é uma voinha maravilhosa pra ele!!! Beijo, Gladis.

  13. Samillys Melo says:

    Um texto mágico! Emocionante.
    Salve todas as voinhas que formam pessoas habilidosas para a moda/comunicação como em qualquer outra coisa que se mete em fazer. Abraço.

  14. Denise Vilar says:

    Gladis, mulher, um texto desse nessa época do ano é bronca, viu?! A pessoa chorosa se lasca (feito eu).
    Massa a construção de informações, também me identifiquei com o lado de ter avó sábia, estudar “Comunicação e Expressão” como Ana falou, estudar em escola pública também (que foi MUITO mais rico que colégio particular).
    E viva as avós! [consigo escrever mais nada não que eu ainda tô emocionada]

  15. Nary says:

    Avós são a coisa mais preciosa mesmo <3 Li esse texto e fiquei morta de saudades da minha voinha. =*

  16. Dani says:

    Adoro o jeito que você escreve. Me identifiquei muito com o texto, pois somos de uma época que valorizamos as pessoas, e não as coisas. Minha vó é muito especial para mim, nos comunicamos apenas com o olhar e já sofro por antecedência só de pensar que um dia não a terei mais por perto.

  17. Eugênio says:

    Que texto lindo Gladis. Emocionante.Tive mãe educadora, diretora da escola pública onde aprendi o que tenho hoje de mais importante: o amor pelo conhecimento, pela criatividade, pelos livros e o respeito às pessoas sem levar em conta o que elas possuem materialmente. Uma coisa boa em 2012 foi conviver com você e conhecer seus textos nesse salto agulha, que tenho o maior prazer de indicar para pessoas que valem a pena.

  18. Tatiana Lima says:

    Que texto maravilhoso, Gladis! Fiquei emocionada! E concordo contigo quanto ao erro em insistir em escolhas “práticas” na hora de educar. Eu morro de pena. Beijos!

  19. Eliane says:

    Ai que lindo! termino o texto com lágrimas nos olhos, parabéns pelo texto tão emocionante e ao mesmo tempo sem medo de falar certas verdades, amo tudo o que você escreve! E que Deus abençoe muito sua voinha.

  20. Por: Eliane | Placedelamode says:

    […] Por: Eliane  » http:// gladisvivane.com […]

  21. Lucia Helena says:

    Fui aluna de sua avó na escola Conego Monte,Fiz minha primeira apresentação pública vestida de palhaça,rsrs,Foi muito legal.Lembro que ela morava bem perto da minha casa no Alecrim e que toda vida q passava em frente a sua casa,falava para minha mãe com orgulho,Mãe aqui mora a melhor professora da minha vida,Lembrando que eu não tinha ao menos 10 anos,rsrs,muito simpática,Inteligente! Tenho saudades desses tempos!!

  22. Lili says:

    É isso aí. Ainda agora na hora do jantar discutiamos isso mesmo, que educar é preparar para vida. Fiquei emocionada com seu artigo.

  23. Barbara says:

    Apaixonada pelo seu blog, parabéns por saber se comunicar tão bem e conseguir transmitir sua mensagem de forma tão verdadeira as pessoas, estou emocionada, o que seria de nós netas e netos sem nossas avós.

  24. Ricardo Santos says:

    Olá Gladis, parabéns pelo blog e por tão belas palavras a respeito de sua avó. Achei que neste texto você iria contar que quando sua avó te levou pra participar do programa Carlos Alberto na TV Ponta Negra rsrs lá você chegou a falar pro Carlos Alberto que iria ser figurante do programa da Priscilla de Sousa, o “pintando o sete”. Isso chegou a acontecer? tá vendo como não desistirei de entrevistar você rsrsrs Sucesso Gladis, não a conheço pessoalmente mas já admiro seu trabalho e sua história, já que conheço pessoas que lembram de você nos bastidores da Tribuna do Norte e na TVU. Forte Abraço.

  25. Meu curso de costura no Rainhas da Costura e como isso mudou a minha vida – Salto Agulha says:

    […] e costura sempre foram coisas muito presente na minha vida. Se você quiser saber mais sobre isso, pode ler esse texto aqui que escrevi sobre a minha avó. Mas foi só lá pelos 20 anos de idade que comecei a achar que eu também podia costurar e me veio […]

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